Quando falamos sobre TEA na criança, muitas vezes pensamos somente nas dificuldades de interação social e comunicação. No entanto, um aspecto menos comentado, mas igualmente importante, é a forma como pequenos autistas, literalmente, enxergam o mundo. Muitos desafios estão relacionados a um controle atípico no sistema visual, com maior sensibilidade a luzes brilhantes ou dificuldades para processar padrões visuais complexos. Tais características refletem alterações na conectividade neural DESDE AS ETAPAS INICIAS DO DESENVOLVIMENTO, desvirtuando a integração, o processamento e a distribuição das informações visuais para outros sistemas sensoriais e motores (Pei et al., 2012; Seymour et al., 2018; Zhou et al., 2023). Por isso, a avaliação oftalmológica da criança com TEA é fundamental para nortear e personalizar o cuidado de cada uma, particularmente durante os primeiros 3 anos de vida.
Reconhecimento de Faces e Atenção Visual
Uma das queixas mais frequentes relacionadas ao TEA é a a falta do “olho no olho”, ou seja, a dificuldade da criança em criar contato visual com as pessoas de sua convivência. Isso pode ser extremamente frustrante, principalmente para a mãe que amamenta, uma vez que a troca de olhares nesse momento transcende qualquer linguagem falada. Em crianças maiores, a dificuldade no contato visual prejudica sua interação social. O que as pessoas não sabem é que essa “evitação” não é voluntária. Esse comportamento também sinaliza a dificuldade da criança com TEA em reconhecer emoções e interpretar expressões faciais de outras pessoas. E está associado a disfunções de determinadas regiões do cérebro (amígdala e área fusiforme), responsáveis pela percepção social (Schultz, 2005). Além disso, os padrões de movimentação ocular são diferentes no TEA. É mais difícl controlar o olhar, os movimentos sacádicos são mais lentos e a fixação em objetos ou rostos pode ser pobre, o que atrapalha o engajamento visual e a interação com o ambiente ao redor (Javaid et al., 2023; McLaughlin et al., 2021).
Percepção de Movimento
Outra característica comum é a dificuldade da criança com TEA em perceber o movimento, o que torna atividades desafiadoras, tais como seguir o fluxo do trânsito de pessoas apressadas dentro de casa ou perceber mudanças sutis de expressões faciais durante uma conversa. Isso decorre do funcionamento mais lento do processamento cerebral de imagens, relacionado à via magnocelular (Takarae et al., 2008;Sutherland & Crewther, 2010; Zalla et al, 2016; Li et al., 2018).
Efeitos colaterais do Tratamento Medicamentoso na Visão
Os tratamentos farmacológicos para o TEA são direcionados principalmente para aliviar sintomas como irritabilidade, agressividade e hiperatividade, utilizando antipsicóticos atípicos como a risperidona e o aripiprazol. Os efeitos colaterais mais comuns desses medicamentos incluem ganho de peso e alterações metabólicas, sem menção específica a impactos na visão. Entretanto, o uso de risperidona (RISPERDAL®) tem sido associado a diversos distúrbios visuais EM OUTRAS DOENÇAS, conforme relatado em estudos clínicos e relatos de casos. Confira:
Visão Embaçada: Em estudos duplo-cegos com pacientes adultos com esquizofrenia, 3% dos pacientes que receberam risperidona (2-8 mg/dia) relataram visão embaçada, comparado a 1% no grupo placebo. Em pacientes pediátricos com transtorno bipolar, a visão embaçada foi relatada por 4% dos que receberam 0,5-2,5 mg/dia de risperidona e por 7% dos que receberam 3-6 mg/dia, enquanto nenhum caso foi relatado no grupo placebo. J&J Medical Connect
Catarata: Em um estudo aberto de 2 anos com pacientes adultos com transtorno esquizoafetivo, novos casos de catarata foram observados em 1,24% dos pacientes tratados com risperidona. J&J Medical Connect
Edema Macular Cistoide: Relatos de casos indicam que pacientes tratados com risperidona desenvolveram edema macular cistoide bilateral, com resolução dos sintomas após a redução ou descontinuação da medicação. J&J Medical Connect
Outros Distúrbios Visuais: Foram reportados casos de discriminação de cores prejudicada, xantopsia (visão amarelada), conjuntivite, ptose palpebral, papiledema e alterações perceptuais paroxísticas em pacientes utilizando risperidona. J&J Medical Connect
Guarde no coração!
Dificuldade em manter contato visual, alterações no reconhecimento facial, percepção de movimento e controle ocular refletem particularidades neurofisiológicas profundas do sistema visual no TEA. Compreendê-las é fundamental para desenvolver abordagens que melhorem o acolhimento e a inclusão dessas crianças. Embora eventos adversos oculares sejam relativamente raros, é importante que pacientes em uso de risperidona sejam monitorados para possíveis sintomas visuais e consultem um oftalmologista caso ocorram alterações na visão. Estamos aqui para esclarecer suas dúvidas e traçar planos personalizados para enfrentar essa jornada.
Referências
Javaid, H., Kanwal, S., Ahmed, M., Akbar, S., Rashid, A., Yaqoob, S., … & Faridi, T. (2023). Assessment of visual perception in children with autism spectrum disorder. Lahore Garrison University Journal of Life Sciences, 7(02), 148-155. https://doi.org/10.54692/lgujls.2023.0702256
JOHNSON & JOHNSON. Adverse Event of Risperdal: Vision Disorders. Disponível em: https://www.jnjmedicalconnect.com/products/risperdal/medical-content/adverse-event-of-risperdal-vision-disorders. Acesso em: 3 abr. 2025.
Li, K., Chen, G., & Fu, X. (2018). Visual motion perception in autism spectrum disorder. Advances in Psychological Science, 26(5), 831. https://doi.org/10.3724/sp.j.1042.2018.00831
McLaughlin, C., Grosman, H., Guillory, S., Isenstein, E., Wilkinson, E., Trelles, M., … & Foss‐Feig, J. (2021). Reduced engagement of visual attention in children with autism spectrum disorder. Autism, 25(7), 2064-2073. https://doi.org/10.1177/13623613211010072
Pei, F., Baldassi, S., & Norcia, A. (2012). Visual gain control abnormalities in autism spectrum disorders. International Journal of Psychophysiology, 85(3), 298-299. https://doi.org/10.1016/j.ijpsycho.2012.06.027
Schultz, R. (2005). Developmental deficits in social perception in autism: the role of the amygdala and fusiform face area. International Journal of Developmental Neuroscience, 23(2-3), 125-141. https://doi.org/10.1016/j.ijdevneu.2004.12.012
Seymour, R., Rippon, G., Gooding-Williams, G., Schoffelen, J., & Kessler, K. (2018). Dysregulated oscillatory connectivity in the visual system in autism spectrum disorder. https://doi.org/10.1101/440586
Sutherland, A. and Crewther, D. (2010). Magnocellular visual evoked potential delay with high autism spectrum quotient yields a neural mechanism for altered perception. Brain, 133(7), 2089-2097. https://doi.org/10.1093/brain/awq122
Takarae, Y., Luna, B., Minshew, N., & Sweeney, J. (2008). Patterns of visual sensory and sensorimotor abnormalities in autism vary in relation to history of early language delay. Journal of the International Neuropsychological Society, 14(6), 980-989. https://doi.org/10.1017/s1355617708081277
Zalla, T., Seassau, M., Cazalis, F., Gras, D., & Leboyer, M. (2016). Saccadic eye movements in adults with high-functioning autism spectrum disorder. Autism, 22(2), 195-204. https://doi.org/10.1177/1362361316667057
Zhou, R., Xie, X., Wang, J., Ma, B., & Xin, H. (2023). Why do children with autism spectrum disorder have abnormal visual perception?. Frontiers in Psychiatry, 14. https://doi.org/10.3389/fpsyt.2023.1087122